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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Realengo: um dia que o Brasil gostaria de apagar

Foto: Futura Press


Hoje me senti o mais impotente e submisso dos homens. Quimera de meu mais terrível pesadelo concretizou-se diante de meus olhos e, destroçado, meu coração sangrou, mercê de uma indescritível repugnância perpetrada por um louco.

Ao acordar, percebi que Realengo não é um simples adjetivo, mas um local onde treze crianças, treze mães e treze pais tiveram suas vidas perpetuamente destruídas. À busca de futuros dignos, alcançados através dos estudos, pequenos inocentes clamaram, com seus sangues, a toda uma estarrecida nação, que a mais absoluta ausência de segurança e dignidade foi capaz de ceifar seus bens mais preciosos.

O estado do Rio de Janeiro é reflexo do sucateamento estatal, onde uma população, tão prestimosa na hora de votar, é inumanamente esquecida em todos os seus direitos, inclusive os mais básicos. A Segurança Pública, não apenas no Rio, mas em todo o Brasil, gradativamente, tornou-se uma útopia. O estado do Rio, como garantidor, deveria zelar pela segurança daquelas crianças. Dentro desse contexto, aguardarei, ainda que ciente das chances serem mínimas, pela resposta os governates cariocas darão a sociedade e, principalmente, às famílias dessas crianças. 

Perdemos a esperança no futuro. Não há eufemismo para a falta de Deus e amor no coração dos homens. O ódio é corrosivo e dilacerante, paradoxalmente latente ao pulsar da alma e da indignação, ele encontra terreno fértil num mundo onde, há muito, a vida humana deixou de ser imensurávelmente valorada.

A causticante barbárie que, há tempos imemoriais, toma conta do mundo, hoje nos fez voltar os olhos para um bairro suburbano da Zona Oeste do Rio de Janeiro, nos fazendo crer que, mais do que nunca, o quão tênue pode ser a linha que nos separa da morte. Se nossas crianças não são respeitadas, o que dizer de nós?

Gostaria de, sinceramente, como cidadão, companheiro e, acima de tudo, como amigo, estender meus braços para essas famílias e, abraçado a elas, chorar pelo fato dessas mães e desses pais nunca mais vislumbrarem o prazer do doce clamor de seus nomes por seus amados filhos, além do beijo, do abraço e do carinho ou, simplesmente, o cúmplice e afetivo olhar, seguido de um apaixonante e cativante ‘eu te amo’.

Em um dia que me senti refém do mal, me disperso, desejoso que o dia de hoje não fosse mais que um terrível pesadelo, mas, mesmo assim, apenas um pesadelo.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Carta aberta às crianças sobre as drogas




Meus pequenos amigos, sei que as palavras são capazes de intimidar; então, ao usá-las, considero que devo ser muito responsável em seu emprego. Portanto, quando vejo que elas são direcionadas para o bem, eu as uso, sem medo. Eu gosto muito de ler, mas acho que o hábito de escrever me deixa um tanto, digamos, exposto. Bem... Acho que estou falando bobagem (Tá vendo!?). Eu só quero chegar ao teu, ainda, inocente coração, e dizer algo. Entenda, por favor, que é para o teu bem e, principalmente, para o bem do mundo.

Eu sou um jovem que, talvez, tenha idade para ser seu pai e sei, sem qualquer sombra de dúvidas, que viver não é fácil. A realidade é fria e tempestuosa, como a chuva que cai em um dia triste e cinzento, daqueles em que, quando criança, eu observava pelo vidro da janela, ajoelhado no encosto do sofá da casa em que eu morava.

Quando você tiver a minha idade, você encontrará pessoas que, muito covardemente, e com o simples propósito de te machucar e magoar, o fará acreditar que nunca serás capaz de grandes coisas na tua vida. Como você vai lidar com uma situação dessas? Eu fico triste, arrasado e muito, muito zangado. Já me deparei com centenas de pessoas desse tipo.

Graças a Deus, não me tornei escravo de coisas que, obviamente, me ofereciam uma fuga das coisas tristes que me aconteciam, pois eu sabia que o custo disso era bem maior do que eu era capaz ou, até mesmo, estava disposto a pagar. Eu não queria ser morto. Eu não queria ser fichado em uma delegacia, e ser encaminhado para um presídio. Eu não queria passar o resto da minha vida com o meu cérebro parecendo uma papa de aveia. Eu não queria!

Eu tinha uma alternativa, e você também a tem! Eu me afastei desse tipo de gente, assim como você, também, pode se afastar.

Fica longe, minha criança, de coisas que, tão somente, serão capazes de te destruir. Não importa o que te digam ou o quão impertinentes e insistentes certas pessoas possam vir a ser. Diga não, como se sua vida dependesse da sua mais firme negativa, jamais comparável a qualquer outra que você tenha proferido.

Se uma pessoa se aproximar de você e te oferecer um cigarrinho suspeito (ou, até mesmo, os não suspeitos. Fique longe destes também), um pózinho branco ou pedrinhas foscas e encardidas, distancie-se e, SE ISSO NÃO FOR ARRISCADO PARA VOCÊ, aplique um joelhaço à moda do Analista de Bagé. Eu vou ficar muito grato a você por isso. Se você for um rapazinho, talvez lhe digam que você terá muitas garotas ao usar esse tipo de coisa. É mentira, a mais fétida e desprezível mentira. Garotas gostam de caras inteligentes, humildes, engraçados e, claro, caras bonitos. Acredite, minha criança, se você usar essas coisas, você não terá nenhuma dessas qualidades e, como já era esperado, nada de garotas!

Acredite na sua capacidade, mantenha sua mente limpa e procure afastar o veneno do seu coração, e nem se afaste do Amor de Deus. Além de você próprio, eu também vou sentir muito orgulho dos grandes feitos e realizações que você fará em prol do futuro da humanidade. Com certeza você conquistará o favor do Nosso Criador.

Aprende a conduzir a tua vida de uma forma que te seja benéfica e salutar. Cresça e, na medida do possível, busque contribuir para transformar o mundo em um lugar melhor para se viver, onde teus filhos, teus netos e muitas outras gerações à frente sintam prazer em viver e, ao olharem para trás, sintam carinho e gratidão ao lembrarem de você.

Abraço do amigo.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Um Estranho no Ninho: A Impactante e Perfeita Fusão da Literatura e do Cinema


É bem provável que você nuca tenha estado em um hospital psiquiátrico na condição de paciente, o que, de forma alguma, o tornará um ser humano melhor, pior ou diferente das pessoas que lá estão. A loucura, literal e patologicamente falando, dentro de um contexto social, seja ele qual for, pode ser vista sob diferentes perspectivas. Não seria justo que a sociedade estabelecesse um padrão mínimo de aceitabilidade quanto ao modo como a cabeça de uma pessoa devesse funcionar.

Logicamente que há indivíduos que, em decorrência de algum tipo de transtorno, precisam de um tratamento e um acompanhamento, tão responsável quanto adequado. A inviabilidade de algo neste sentido significaria um risco à própria integridade física e moral do paciente, bom como a daquelas outras pessoas que o amam e convivem com ele.

O fato é que, recentemente, eu li um livro que me marcou profundamente, cujo nome é Um Estranho no Ninho, de autoria de Ken Kesey, cuja historia se passa, quase inteiramente, dentro de uma instituição psiquiátrica, onde são abordados temas como a loucura e a racionalidade em confronto e, correndo paralelamente a isso, a busca à subversão da ordem pré-estabelecida.

Após uma reiterada e contumaz seqüência de pequenos delitos, Randle Patrick McMurphy consegue, através de alguma manipulação, uma transferência do presídio onde cumpria pena para um hospital psiquiátrico e, lá chegando, depará-se com um desfile de criaturas cativantes que, a meu ver, não merecem a alcunha de loucos e insanos. Após estreitar laços de amizade com a maioria dos internos, Randle se vê na obrigação de enfrentar a fria e injustificável ditadura de uma apática e desumana figura conhecida como Enfermeira Ratched. O saldo da empreitada é que, ao lado do seu melhor amigo, o índio grandalhão e ‘surdo mudo’ Chefe Bromden, e de outros companheiros, McMurphy introduz jogatina desenfreada, bebidas e mulheres dentro do hospital e, ainda, consegue levar todos a uma comovente e fantástica pescaria, onde até o médico da instituição esteve presente.

Assim, até eu queria estar em um lugar desses!

O filme homônimo, dirigido por Milos Forman e co-produzido por Michael Douglas, teve seu roteiro adaptado por Lawrence Hauben e Bo Goldman. Os papéis principais de Enfermeira Ratched e Randle McMurphy ficaram a cargo de Louise Fletcher e Jack Nicholson, cujas brilhantes e perfeitas atuações lhes renderam os oscars de melhor ator e melhor atriz coadjuvante, respectivamente. O trabalho obteve, ainda, as premiações máximas de melhor filme, diretor e roteiro adaptado, feito que só foi conquistado com dois outros filmes: anteriormente, com Aconteceu Naquela Noite e, posteriormente, com o Silêncio dos Inocentes. No entanto, não posso deixar de fazer menção à impagável atuação de Danny DeVito, como Martini, e Will Sampson, como Chefe Bromden que, sinceramente, me cativaram.

Curiosamente, o filme consegue ser tão denso quanto o livro. A atmosfera realística da obra de Kesey é perfeitamente transposta ao filme de Forman através do uso de inúmeros e curiosos elementos, como a incorporação, ao elenco e à equipe, de internos verídicos e a captação das reações do elenco diante das provocações do diretor. Milos Forman cogitou, a principio, descartar a cena da pescaria, pois, desta forma, ele acreditava que a sensação de claustrofobia passada ao telespectador seria mais crível e dramática.

Em que pese o final, sob certo aspecto, triste, o fato que é que o livro e o filme deixam uma emblemática mensagem de companheirismo e não rendição diante das adversidades com as quais, não raras vezes, somos obrigados a enfrentar e, com a justiça e a lealdade fomentando nossas paixões, cedo ou tarde conquistaremos aquilo que ansiamos, sem que permitamos que nos privem de um de nossos maiores bens: a liberdade.


terça-feira, 23 de novembro de 2010

Por que sou a favor da doação de órgãos



Sem vida, o que somos? Nada! Estou errado? O que são órgãos humanos dentro do nada, se não uma porção amorfa de carne e vísceras, incompatível com o que nos é vital? Que grande gesto de amor e altruísmo em nos doarmos depois de mortos, salvando vidas que, muitas vezes, foram relegadas à mais vil prisão: a patológica. Se você teve tudo na sua vida, por que não dar uma chance à outra pessoa?

Eu sou doador, pelo menos na minha carteirinha da OAB. Decerto, isso não é garantia de que meus órgãos serão doados depois que eu morrer. Vou ter que me certificar, de outras formas, que isso, de fato, aconteça. Eu, particularmente, acredito que só terei meus filhos (Quando os tiver, claro!) para convencê-los de que minha decisão é a mais acertada.

A livre disposição de nossos corpos, após o óbito, para fins altruísticos é legalmente garantida. A vida e a saúde são bens intangíveis e, pelo menos em tese, nos são garantidos a proteção a eles. A morte encerra nossos maiores alicerces, onde não mais nos será permitido perseguir o prazer e a felicidade a cada dia que amanhece, pois já não mais seremos coisa alguma. Mas o amor não há de morrer, porque ele é eterno e perpetuo, e suplanta nossas mais comezinhas ambições, suplantando a simples materialidade humana com o simples e desinteressado ato de doar.

Não sei se cheguei a falar aqui alguma vez, mas acredito que já deu para notar que eu tenho uma admiração muito grande pelas crianças. Pois bem! O fato é que me veio à lembrança o caso recente de uma criança no Sul que era acometida de uma grave patologia cardíaca e, depois de passar muito tempo na fila de transplantes, essa criança veio a morrer por falta de um doador. É certo? Privar uma criança de todo um futuro por que uma desinformação, ignorância ou egoísmo nos venceu, fazendo-nos esquecer que o nosso mais bonito sentimento é o amor.

Haverá um tempo em que prestaremos conta de todos nossos atos e, nesse dia, como será bom ouvirmos o número de vidas que salvamos depois que expiramos, mesmo que um sincero lamento ecoe em nossos corações pelo fato de não podermos ter feito nada por mais ninguém.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Sem Fronteiras (Conto)




Liliana descobriu em sua última aula de Biologia que a estrutura celular de um ser humano ‘normal’ só é capaz de comportar vinte e três pares de cromossomos, o que perfazia um total de quarenta e seis cromossomos. Então, por que pessoas, como ela, tinham quarenta e sete, um a mais no par de número vinte e um? Ela lembrava bem, pois a professora, olhando para ela, disse se tratar de um caso de trissômia do vinte e um, ou, ela ainda endossou, um caso de aneuploidia conhecido como Síndrome de Down. Eu sou uma Down, Liliana pensou, com um certo orgulho. No entanto, ela não tinha certeza se aquilo a tornava, de alguma forma, diferente das outras crianças.

Ao fim da aula, um coleguinha, bem ‘adiantadinho’, chamou a Síndrome de Down de Ménage a Trois Genético. Liliana não sabia o que era Ménage a Trois, mas, pelo nome, devia ser algo bem engraçado e divertido. Ela prometeu a si mesma que, quando tivesse tempo, ela pesquisaria o significado daquele termo tão diferente.

A maioria das outras crianças da sua idade a respeitavam, mesmo ela sendo tão diferente, pelo menos na aparência, pois sua capacidade cognitiva, autodeterminação, inteligência e sensibilidade estavam, poder-se-ia dizer, uma nota a mais em comparação às demais. Ela era Liliana, o pequeno milagre de Deus.

Diferentemente, seus ‘educadores’, a começar pela diretora da sua escola, poderiam muito bem ser chamados de ‘comitiva do mal’. A mais perversa, hedionda, vil e asquerosa classe de ser humano (sim, eles são isso aí, pelo menos em sua natureza, mas na essência...). A pequena Liliana era constantemente lembrada de que ela só estava estudando ali devido à influência de seu pai, um respeitado Desembargador, presidente do Tribunal de Justiça do Estado em que moravam. Conhecendo as pessoas e os tramites certos, bem como sabendo a quem deveria ‘lavar’ a mão, seu pai havia conseguido uma liminar, a qual foi concedida em tempo recorde e, depois de mais algumas manobras, ele conseguiu que o processo fosse suspenso. Assim, Liliana passou a estudar em uma escola com pessoas que tinham quarenta e seis cromossomos em suas células.

Ah, o amor! A mais saudável patologia do coração. A impudica arma de Cúpido, responsável pelos mais desafortunados romances mitológicos, parecia transpor a inexorável barreira da lenda, que tanto o mistificava, o conduzindo a novos ares em sua mais pungente coloração. A flecha havia atingido o coração de Liliana, perfurando o ventrículo esquerdo e saindo pelo átrio direito. Sintomas: mariposas na barriga, sudorese nas mãos e boca seca. Nome do meliante: Arthur.

Isolada, sentada no pátio da sua escola, ela pousou, momentaneamente, o seu lanche do seu lado direito, e apanhou seu caderno de desenhos, onde, sonhadora, começou a rabiscar: Liliana ama Arthur; Arthur ama Liliana; Liliana vai casar com Arthur; Liliana quer beijar Arthur; Ele é lindo e eu quero namorar ele. Em meio a essa melosa profusão de frases, corações entrelaçados e flechados preenchiam toda a página do caderno.

Sem que Liliana percebesse, a mais detestável professora da escola e, por coincidência, sua professora de Biologia, vinha se aproximando por trás dela. Ao ver o caderno de desenhos pousado em suas mãos, a professora, bruscamente, o tomou dela.

- O que a mongolóidezinha anda desenhando? Com certeza não é nada que se aproveite.

Após analisar o conteúdo da página por alguns instantes, a professora riu da cara de Liliana.

- Só mesmo uma retardada como você para desenhar e escrever esse tipo de imbecilidade. Nem o lixo quer uma porcaria dessas.

- Devolva o meu caderno – disse Liliana com alguma dificuldade, pois a sua língua era, ligeiramente, mais protuberante que uma língua comum.

- E se eu não devolver?

- Por favor...

- Vou chamar o Arthur. Ele vai gostar de dar uma olhada nisso.

- Não faça isso... Não é certo... Eu vou dizer à diretora...

- Quem é você para dizer o que eu devo ou não fazer e, além do mais, é sua palavra contra a minha. Em quem você acha que ela vai acreditar?

No momento em que sua professora e Liliana discutiam, Arthur vinha passando por elas, em direção à sala de aula, pois o recreio já estava acabando.

- Arthur, meu amor, venha dar uma olhada nisso. Você vai gostar – chamou a professora.

Com o tronco meio inclinado e a mão direita no bolso da calça, Arthur mascava um chiclete. Ao chegar próximo à professora, Arthur apanhou o desenho. Ele o observou com bastante atenção, depois olhou para a professora e para Liliana e, em seguida, voltou a olhar o desenho. Ele riu e, com um cativante olhar de cumplicidade, ele, novamente, virou seu rosto para Liliana. Depois, ele sentiu como se uma fúria incontida, uma dose cavalar de ressentimentos, transbordasse de seu coração. A professora não gostou daquele olhar e, muito menos, daquele tom de voz.

- Escute aqui, sua idiota, que eu só vou falar uma vez...

- O que é isso, Arthuzinho? Eu vou falar à diretora e você vai ser suspenso...

- Cale a boca, sua vadia, senão eu lhe sento a mão na cara, e se você encostar um dedo em mim, eu lhe tiro de circulação mais rápido do que você é capaz de respirar.

- Mas...

- Você sabe quem é meu pai, não sabe?

- Arthuzinho, eu gosto tanto de você.

- Pois eu lhe odeio.

Sem dar mais nenhuma palavra, a professora se retirou, e deixou Liliana e Arthur sozinhos.

- Posso me sentar aí ao seu lado? – Arthur pediu, educadamente.

Liliana sentia como se seu coração fosse sair pela boca e suas tripas fossem se liquefazer a qualquer momento. Suas mãos gotejavam de tão suadas.

- Pode, mas o recreio já está terminando. É melhor depois.

- Não! Eu quero conversar com você agora. Eu preciso – disse Arthur, sentando-se ao lado de Liliana. – Seus desenhos são lindos. Gostei muito.

- Eu não queria...

- Achei que nunca teria essa oportunidade. Não parece, mas eu sou tímido, Liliana.

- Mas...

- Eu me apaixonei por você desde a primeira vez em que eu lhe vi. Você é meiga, inteligente e linda. É tudo o que eu busco em uma garota. Como eu poderia não me apaixonar por você.

Com lágrimas nos olhos, Liliana olhou para Arthur e, sem conseguir dizer qualquer outra coisa, ela apenas falou:

- Eu te amo.

- Eu também. Você não sabe o quanto.

Arthur aproximou-se mais de Liliana e, com seu braço esquerdo, a envolveu em um carinhoso abraço, permitindo que sua cabeça repousasse em seu ombro, e assim ele deixou ficar até que ela se acalmasse um pouco.

Com o polegar e o indicador, ele ergueu o queixo de Liliana e fitou seu rosto, olhando bem dentro de seu olhos. Seus lábios aproximaram-se dos dela e ele a beijou com ternura e paixão, fazendo com que ela se sentisse a mais especial das garotas, a única, a inigualável, o pequeno milagre de Deus...
Liliana.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Furto Famélico

Observar a lógica rigorosa e singular da paixão e a vida colorida e emocional do intelecto, atentar nos pontos em que se encontravam e se separavam, no ponto de concórdia e no de discórdia... (Oscar Wilde)


Uma sucessão encadeada de péssimas escolhas. A vida de Paulo poderia se resumir a isto. No entanto, a tresloucada veneração que ele devotava à sua filha não mudou uma virgula que fosse. A pequena Kiola detinha, ainda que inconscientemente, a chave do coração de Paulo. Morpheu erguia o onírico pedestal em seus mais apaixonantes sonhos. Os sonhos onde sua filha estava presente e, simplesmente, o chamava de pai.

Graduado em Direito, Mestre em Direito Processual e, até certo momento da sua vida, um advogado, um brilhante advogado, mas a sua mais vil escolha derrubou sua moral ladeira abaixo, como um veículo que desce um barranco em ponto morto. Ele era alcoólatra. Um alcoólatra contumaz. Por uma proeza do destino, ele havia perdido tudo. Família, carros, imóveis, dinheiro, uma generosa carteira de ações... Absolutamente tudo. O único bem que lhe restou, o mais valioso de todos, que não lhe tomaram, foi sua amada Kiola, sua princesinha de cinco anos, com quem morava na rua.

Naquela manhã, Paulo e Kiola estavam em um supermercado e o dinheiro de que ele dispunha naquele momento não dava para comprar o que sua filha queria. Kiola queria simplesmente um pacote de biscoitos recheados e uma garrafinha de iogurte. O que fazer? Paciência! Do alto falante uma funcionária do supermercado dava instruções aos repositores de estoque e emitia os mais diversos avisos aos clientes, enquanto Paulo tentava encontrar uma solução para aplacar a fome de sua amada filhinha.

- Papai, compra biscoito e danone.

Um segurança passou por Paulo e o olhou de esgueira, depois de observar os péssimos andrajos que ele e sua filha estavam usando. Paulo sabia que as pessoas eram tendenciosas a fazer um pré-julgamento acerca dos outros, simplesmente usando como critério o que elas vestiam, calçavam ou usavam.

- Papai tá sem dinheiro, meu amor. Só posso comprar dois pães e um ovo pra gente comer, princesa.

- Por favor, papai.

Não é clichê! O amor vence a razão. Ele a subjuga e tripudia como se ela fosse a mais abjeta e incoerente manifestação de pseudo-racionalidade. O amor é desarrazoado em todo o seu desvairo, pouco se lixando com as conseqüências que ele é capaz de trazer. No entanto, ele sabe que, por mais louco que ele possa ser, um doce e sedutor encanto emanam dele, como um desejo ardente em se provar um cobiçoso veneno. O que dizer, então, do amor de um abnegado pai para com sua filha? Se fosse possível hierarquizar o amor, possivelmente essa manifestação estaria em uma boa colocação.

Paulo dirigiu-se a seção de biscoitos e perguntou qual era o que sua filha queria. Kiola apontou para o seu biscoito preferido. Depois de olhar para ambos os lados do corredor e ver que não havia ninguém, ele apanhou um pacote e, levantando a perna direita da sua calça, ele acomodou um pacote junto à sua canela e, depois, novamente desceu a perna da calça para cobri-la. Em seguida, ele repetiu a operação, só que desta vez na seção iogurtes que, depois de apanhá-lo, foi acomodado em sua perna esquerda.

Paulo comprou os dois pães e um único ovo e, depois de dirigir-se ao caixa com Kiola em seu braço direito e fazer o pagamento, foi caminhando para a saída do supermercado. Ao aproximar-se do detector antifurto, ele olhou para sua amada princesinha e disse:

- Amor, preciso que você agarre bem forte em meu pescoço, ok?

- Tudo bem, papai. Tá doente, é? Eu dou um beijo e passa. Quer que eu dê um beijo?

- Não, meu bebê. Só faça o que eu disse, tudo bem?

- Tudo bem, papai.

Paulo e Kiola atravessaram o detector. Quase ao mesmo tempo em que ele soou, um segurança vinha correndo em seu encalço, gritando palavras pouco amigáveis para que ele parasse. Paulo correu com sua filha nos braços, mas não foi muito longe. Dois disparos.

Um.

Dois.

Por uma milionésima fração de segundo houve silêncio. Depois, um gemido. Era uma sensação quente e viscosa que começava nos braços de Paulo e, em seguida, descia por sua barriga, sua virilha, suas pernas e, por último, ele sentia chegando ao pacote de biscoitos e à garrafinha de iogurte.

- Papai...

A cabeça de Kiola pendia inerte nos ombros de Paulo e, antes que ele, definitivamente, pudesse entregar sua amada princesinha nos braços do Senhor Jesus Cristo, ele contemplou um laivo de ternura e gratidão nos olhos de sua filha por ele ter sido um pai tão amoroso. O brilho tornou-se opaco. As pálpebras se fecharam.

- Oh, Deus, não! – Paulo gritava e chorava como uma criança. Entre soluços convulsivos, ele continuou – Eu já perdi tudo, meu Deus, mas não tire minha princesinha de mim. Por favor, Pai!

Nada seria capaz de convencer Paulo a soltar sua filha. Ele queria sentir todo o calor que ainda restava de Kiola, sentindo-o junto a seu peito e, mesmo que o calor cedesse lugar à frieza e a rigidez, ele, ainda assim, queria trazê-la junto de si. Para todo o sempre.

Não havia muita gente no supermercado o que, talvez, tenha justificado o fato de que o ocorrido não tenha chamado a atenção de muitas pessoas, a não ser uns três ou quatro clientes, além do segurança.

- Vagabundo! Mete logo uma bala na cabeça desse ladrão idiota – gritaram os espectadores para o segurança.

Não houve dúvidas. Um terceiro disparo. Na cabeça, conforme solicitado. Com a conivência do gerente do supermercado, para que a reputação da empresa não fosse abalada, uma arma foi plantada nas mãos de Paulo. Legitima defesa. Inquérito arquivado. Não haveria motivos para o Ministério Público oferecer denúncia. Afinal, tudo não havia passado de uma fatalidade, não é mesmo?


* * *


Em um lindo e maravilhoso lugar, sob o reconfortante e maravilhoso calor de um lindo sol, Paulo e Kiola rolavam por uma campina esverdeada, sob a copa de uma linda macieira e, junto a pai e filha, havia uma toalha estendida sobre o solo, onde havia biscoitos recheados dos mais diversos sabores e deliciosos iogurtes...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Horário de Verão - Quem foi o idealizador?


Monumento dedicado a William Willet, em Pets Woods. A inscrição diz Horas non numero nisi aestivas (Não conto as horas, a menos [que sejam] de verão)

Eu, particularmente, não vejo mal algum no horário de verão. Talvez porque aqui no meu estado ele não vigore. No entanto, há quem ache uma chateação ter que ajustar o relógio duas vezes ao ano e, muitas vezes, não ver a utilidade em tal fato. Mas, você sabe de quem foi a idéia do horário de verão, o qual, até hoje, influência muitos países do mundo?

No fim do século XVIII, Benjamim Franklin foi o primeiro a idealizar o horário de verão. William Willett, mais de um século depois, sugeriu, junto ao parlamento britânico, efetivar a idéia de Franklin. No entanto, Willett morreu antes que a lei fosse votada e promulgada e, conseqüentemente, começasse a sua vigência.

Em uma cera manhã de verão, William Willett, exímio construtor, natural de Chislehurst – condado de Kent – estava passeando com seu cavalo em Pets Woods quando teve a idéia de ajustar os horários naquela época do ano. Tal acontecimento residiu no fato de que, àquela hora, muitas casas ainda estavam com as cortinas fechadas. Ora, ele deve ter pensado, ‘por que razão essas pessoas desperdiçam a claridade do sol?’. Daí surgiu a idéia de se fazer uma ferrenha campanha junto ao congresso britânico para que um projeto de lei fosse logo aprovado. A idéia era, basicamente, a seguinte: por quatro vezes se deveria adiantar o relógio em 20 minutos na primavera e no verão, o que daria um total de 80 minutos e, posteriormente, deveria se atrasar o mesmo tanto no outono. Dessa forma, seria possível que as pessoas pudessem otimizar o aproveitamento da parte da claridade que antecede a noite.

Willett assim, brilhantemente, ressaltou seu argumento em um de seus folhetins propagandisticos: “A luz é uma das maiores dádivas do nosso Criador. Enquanto a luz do dia no alumia, a alegria reina, as ansiedades amainam e reunimos coragem para enfrentar a vida”.

A monarquia inglesa, representada, naquele período, pelo Rei Eduardo VII, não quis se dar ao inconveniente e ao incômodo de aguardar até que a lei fosse sancionada. Em atípico caso, portanto, mas não impossível, visto que a realeza, tal qual regime absolutista, ainda podia legislar de acordo com suas conveniências, resolveu baixar um decreto, onde passou a vigorar o horário de verão em sua mansão real de mais de 7.000 hectares, em Sandringham.

O ponto de toque que, finalmente, convenceu os parlamentares a aprovarem o horário de verão, foi a patente e justificada necessidade em se reduzir a necessidade de luz artificial na Primeira Guerra Mundial, sendo seguido, posteriormente, por outros países. Durante a Segunda Grande Guerra foram adotados dois horários de verão, o que resultou em uma diferença de duas horas no verão e uma hora no inverno.

Bem, caros colegas, agora quando mandarem vocês adiantarem e atrasarem seus relógios, vocês vão ficar sabendo de quem foi a idéia que o (a) obrigou a acordar quatro ou cinco horas da madrugada em certa época do ano e, fazendo você acreditar que, na verdade, são cinco ou seis horas da manhã. Se estiver pensando em retaliação, esqueça! Ele já morreu!

Abraço.